domingo, 26 de setembro de 2010

Mesmo morando na rua, todos têm direitos

“Não sei quem sou, não tenho documentos, só tenho impressões digitais” (Frase do filme "Do outro lado da sua casa", produzido pelo Olhar Eletrônico/1985)

“Pode-se, pois, considerar que a persistência desses homens e mulheres em fazer viva a cidade, embora em condições aquém do razoável, constitui e revela a face de uma outra cidade, ainda não visível, que permanece na sombra, mas cheia de luz, à espera de ser descoberta. É imperioso que ela seja reconhecida e, sobretudo, que a parede invisível que separa a cidade oculta da cidade oficial seja derrubada” (Trecho da introdução da cartilha de direitos do morador de rua)





No dia 9 de Agosto deste ano (2010), o Movimento Nacional da População de Rua – MNPR, o Ministério Público de Minas Gerais – MPMG e a Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, juntamente com outros – parceiros Fórum Estadual de Direitos Humanos, Serviço de Assistência Judiciária da PUC-Minas, Programa Pólos de Cidadania da UFMG e o Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável – INSEA –, lançaram a cartilha “Direitos do morador de rua - um guia na luta pela dignidade e cidadania”.

Essa cartilha tem como principal objetivo legitimar os direitos que os moradores de rua têm, assim como todo outro cidadão, desde a “Declaração Universal de Direitos Humanos”, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.

Em sumo, essa declaração diz: “Todas as pessoas nascem livres e iguais, ou seja, ‘ninguém é melhor que ninguém’. Todos nós formamos uma única família, a comunidade humana: negro ou branco, homem ou mulher, rico ou pobre, nascido em qualquer lugar do mundo e membro de qualquer religião. Assim, todos nós temos direito à liberdade e à segurança pessoal”.

A cartilha é dividida em duas partes. Na primeira parte, o morador de rua é introduzido ao leitor. É onde se explica quem é esse morador de rua, onde ele vive, como ele vive e os seus motivos.

A estudiosa de moradores de rua, Maria Lúcia Lopes define o morador de rua como: “Grupo populacional heterogêneo, mas que possui, em comum, a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, em função do que as pessoas que o constituem procuram os logradouros públicos (ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e baixios de viadutos), as áreas degradadas (dos prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças de veículos) como espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma permanente, podendo utilizar albergues para pernoitar e abrigos, casas de acolhida temporária ou moradias provisórias”. (SILVA. Maria Lúcia Lopes da. Trabalho e População de Rua no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2009, p. 136)

Na segunda parte, a cartilha desenvolve todos os direitos que o morador de rua possui. Essa parte mostra o que está na Constituição Brasileira e como o morador de rua deve agir, por exemplo, se for vítima de discriminação ou violência. Também fala das assistências sociais às quais tem direito e as oportunidades que lhe devem ser dadas.

Uma moradora de rua fala sobre isso na cartilha: “todo ser humano tem direito ao mínimo possível, que é a dignidade, ter o trabalho. Nós em situação de rua não queremos ficar mendigando por um direito que é do povo, um direito de cidadão brasileiro. Porque todos estão à procura de algo; de uma oportunidade para resgatar a sua própria cidadania, sua dignidade como ser humano...” (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Prefeitura de Belo Horizonte, PUC-Minas, INSEA e Fórum da População de Rua. 2º Censo da População de Rua e Pesquisa Qualitativa - Belo Horizonte: O Lutador, 2005, p. 89 - Moradora A).

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Morador de rua por opção

Cristiane, Dayane e Vanderlei ao lado do quarto feito de papelão em que dormem
(Foto: Mayko Silva)


Vanderlei: “Um dia eu vou largar esse trem aqui e vou embora pra casa”


Cena comum nas ruas de toda grande cidade do país é a presença de moradores de rua. No bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, não é diferente. Na rua Ulhoa Cintra, que tem apenas um quarteirão, Seu Vanderlei Soares, de 53 anos, vive com mais três adolescentes, Dayane, Cristiana e Léo, e uma mulher, que ele não quis dizer o nome. O senhor, que afirma ter nascido e sido criado na rua, tem casa, mas prefere viver entre seu “povo”, como ele mesmo define. “Eu gosto de ficar mais na rua que em casa sabe. Eu prefiro ficar aqui, porque eu fui criado e nascido aqui”. Ele é catador de papel, tem um filho de 28 anos, que mora no bairro Morro Alto, e é separado há mais de vinte anos.

Vanderlei fala que mora na rua onde ele está porque ele pensa nisso como um dever. Ele prefere morar na rua e ajudar as pessoas que ele trata como se fosse família, como é o caso de uma das meninas, Dayane, do que dormir sob um teto, e ficar sozinho. “Eu não fui embora pra casa até hoje por causa desses meninos aí. Eu cuido de todo mundo aqui. Eu estou aqui nessa vida por causa desse povo”, diz. O homem explica que o motivo principal para cuidar dessa nova “família” é o fato de, ao contrário dele próprio, a mulher e os três adolescentes não terem onde morar. “Eles perderam a casa, invadiram a casa deles no Taquaril”.

O senhor também fala que não vê problemas em morar na rua. Todos no bairro, que ele diz conhecer como se fosse a palma de sua mão, o respeitam e ele nunca sofreu nenhum tipo de preconceito por causa de sua situação. Além disso, ele recebe ajuda para se alimentar. “Tem uns que quando passam deixam um ‘marmitex’ aqui pra gente. Mas quando não vêm, eu mesmo arrumo aqui pra gente, no restaurante ali da esquina. Qualquer lugar que eu for aí eles dão. Todo mundo aqui me conhece. Aqui todo mundo me respeita. Nós não somos de bagunça. É tranquilo”, afirma. Apesar disso, ele não quer viver pelo resto da vida na rua. Um dia ele pretende ir embora, quando as pessoas que ele cuida não precisarem mais de sua ajuda. “Um dia eu vou largar esse trem aqui e vou embora pra casa. Deixa só resolver os problemas daqui”.


Abuso

A única reclamação que Vanderlei faz é em relação a fiscais da prefeitura e a alguns policiais. Segundo ele, muitas vezes alguns desses fiscais chegam e sem nenhum aviso pegam as suas roupas e as das outras pessoas que vivem com ele. “Eles levam tudo. Tudo que eles veem eles levam. Fazem maior ruindade com a gente aqui. Eles não falam nada. Saem pegando, põe dentro de caminhão e vão embora. Eles fazem covardia com a gente”. Ele afirma que para ele não é problema nenhum levar alguma peça de roupa dele, porque, por ele ter casa, ele tem até mais roupas, mas por conta dessas coisas que acontecem, Dayane e Cristiane só têm a roupa do corpo. Além disso, ele fala que há alguns abusos. “Eles chamam a polícia e põe a polícia pra bater na gente aqui. Uma vez eles bateram num menino aí, maior covardia da polícia”.

Explicando...

Antes de mais nada, devo explicar de onde veio a ideia de "Primeira Avenida". A primeira avenida de uma cidade é a origem, o princípio e a referência. A primeira avenida da vida de alguém é o primeiro passo para se alcançar um objetivo, para crescer e "aparecer". No caso específico do blog, a primeira avenida a qual ele se refere é "saída" do anonimato da população marginalizada da cidade.

Todos os dias, quando se anda pelas ruas da cidade nós todos vemos, mas não enxergamos, mendigos e moradores de rua. No entanto, não sabemos nada sobre eles. Muitas vezes, não queremos saber nada sobre eles.

Para começar, focarei na situação dos moradores de rua. Quem são e porque estão ali.

Espero conseguir alcançar o meu objetivo e superar as dificuldades que aparecerão.